O que era para ser apenas mais uma tarde silenciosa de segunda-feira em uma biblioteca pública de Taguatinga virou, nos últimos meses, um ponto de encontro cheio de música, risadas e passos de dança. É nesse cenário que a Biblioteca Braille Dorina Nowill tem acolhido, semanalmente, as aulas de forró promovidas pela Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV), voltadas para pessoas com deficiência visual.
A iniciativa reúne cerca de 20 participantes e tem se mostrado uma potente ferramenta de inclusão, bem-estar e socialização. Para a fundadora da biblioteca, Noemi Rocha, que também é aluna da oficina, o espaço ganhou um novo sentido. “A nossa biblioteca é um lugar de convivência, de muita alegria. Aqui a gente conversa, dança, bate papo”, afirma, animada. “Quando surgiu a ideia de trazer a aula de dança pra cá, recebemos de braços abertos.”
Ela conta, entre risos, que se surpreende com a própria evolução nos passos: “Hoje eu já me viro bem. Faço os movimentos, giro, até me arrisco num passo mais ousado. Quem diria? Me sinto leve, como se tivesse renascido pra dança.”
A adaptação das aulas é um diferencial importante. Como os participantes têm baixa ou nenhuma visão, os professores utilizam o toque como principal ferramenta didática — os alunos sentem os movimentos diretamente no corpo dos instrutores para compreender a técnica. O forró pé de serra, especialmente o xote, é o ritmo explorado neste momento, mas outros estilos devem ser incorporados em breve.
Marcos Espírito Santo, que ministra as aulas como voluntário, diz que a mudança nos alunos vai além da técnica. “É incrível ver como eles se soltam. Muitos chegam inseguros, mas logo ganham confiança, melhoram a postura, o equilíbrio… A dança transforma.”
A presidente da ABDV, Helena Pereira, reforça o valor simbólico do projeto: “A dança é um instrumento poderoso de inclusão. Não se trata apenas de mexer o corpo — é sobre se sentir parte, se conectar, ocupar espaços. Em muitos lugares, ainda tratam a gente como se bastasse uma cadeira. Mas não, queremos mais. Queremos viver tudo.”
Helena revela que sonhava com essa oficina há anos. “Antes mesmo de assumir a presidência da associação, já desejava fazer isso acontecer. Agora, ver essas pessoas dançando, trocando experiências, ganhando confiança… é uma realização.”
A auxiliar de aula Denise Braga acompanha o processo de perto e destaca os impactos emocionais. “A transformação é visível. Eles se sentem mais vivos, mais fortes. A dança ativa tudo: o físico, o emocional e o social.”
Para Sidney de Castro, de 63 anos, que perdeu a visão após uma infecção, participar das aulas é como reencontrar uma parte de si. “Na juventude, eu vivia dançando. Com a cegueira, achei que isso tinha ficado no passado. Mas agora, mesmo sem enxergar, voltei a sentir o ritmo no corpo. É como se eu me lembrasse que ainda sou o mesmo — ainda posso sentir alegria de verdade.”
Biblioteca Braille Dorina Nowill
Em funcionamento há três décadas, a Biblioteca Braille Dorina Nowill é referência no Distrito Federal no atendimento a pessoas cegas ou com baixa visão. Localizada em Taguatinga, é a única unidade da rede pública com um acervo completamente voltado às necessidades desse público.
O espaço conta com mais de 5,9 mil títulos, incluindo obras em Braille — que, muitas vezes, ocupam até três volumes —, livros com letras ampliadas e exemplares tradicionais, que são lidos por voluntários. Também oferece um telecentro com computadores adaptados com leitores de tela e impressoras Braille.
Atualmente, a biblioteca é mantida em parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (Secec-DF), a Secretaria de Educação (SEE-DF) e a Administração Regional de Taguatinga.